domingo, 20 de fevereiro de 2011

Mil Anos de Orações

Mil Anos de Orações / Thousand Years of Good Prayers
Diretor: Wayne Wang
Elenco: Henry O, Feihong Yu, Pasha D. Lichnikoff
Escrito por: Yiyun Li
EUA, 2007
Nota no IMDb: 6.6



É conhecido de filmes asiáticos o costume de construir narrativas lentas, com poucos diálogos e tomadas longas e sóbrias. Não se pode colocar todas as produções sob as mesmas características, até porque há diferentes estilos de filmagens e preferências autorais bastante diferentes espalhados pelo oriente, mas, no presente caso, a afirmação funciona. Tudo bem, o filme é americano. Mas tem o mandarim como língua principal e o diretor é o chinês radicado nos EUA Wayne Wang. "Mil Anos de Orações" (Thousand Years of Good Prayers) trata da comunicação (parca) entre pai (cientista aposentado da China tradicional) e filha (imigrante americana, inserida na cultura ocidental). Ou será sobre o choque cultural resultante dessa descoberta e das relações familiares que se seguirão? 

A película traz quase nenhuma trilha sonora, exceto pelo piano suave em momentos seletos. A fotografia é discreta e dá preferência para tons sóbrios e escurecidos e a construção linear do roteiro norteia o que, a partir dos diálogos, é explicado sobre o passado e sugerido para o presente. Nem sempre o que acontece é mostrado. 

Mr. Shi, comunista e de costumes conservadores (apesar de criticar a Revolução Cultural e os rumos tomados pelo poder), conhece alguns costumes ocidentais e um pouco do inglês, o suficiente para se movimentar pela cidade e fazer compras enquanto a filha - Yilan - passa o dia no trabalho. Ele veio da China para ajudar a filha recém-divorciada, que no entanto não se mostra receptiva no reencontro com o pai. Os conflitos familiares - ou a falta deles, ou ainda a falta de diálogo sobre eles - são mostrados em paralelo com uma nova amizade do senhor aposentado. Curiosamente, ele conversa mais com uma iraniana, com quem faz amizade no parque, do que com a própria filha. Conversa em inglês rudimentar, num esforço de ambos lados para se fazer compreender. Por se compreenderem mutuamente, por serem naturais de terras em conflito e terem uma relação de certa prosperidade e distanciamento com a América. 



Os espaços públicos das tomadas estão quase sempre vazios. Mesmo em uma metrópole, mesmo na estação de trens, parque, mercado, ponto de ônibus. Nada de superpopulações, mas ainda há pressa.  Os subúrbios limpos da classe média, os desempregados e casebres em ruínas até o centro. As placas em destaque para o consumo, realidades que Mr. Shi observa pelo vidro dos veículos. "Vou de trem. Você quer que eu conheça a América, mas, como vou vê-la se estiver voando acima de todas as coisas?" questiona o pai a certa altura quando Yilan tenta convencê-lo a viajar de avião pelo país.

O filme nada tem relacionado com seu título, no sentido denotativo que poderia vir a ter. Não há monges ou meditações, a despeito do silêncio que permeia insistentemente a quase hora e meia de produção. Em determinada cena, Yilan revela um ditado que afirma a demora para a construção de relações. "São necessários três mil anos de orações para alguém dividir um travesseiro, para cruzar um rio em um barco com alguém". O provérbio original ainda completa que, para pai e filho, talvez sejam precisos apenas mil anos. Espírito do tempo de uma cultura milenar, justificativa para a falta de um relacionamento aproximado e afetivo com quem quer que seja.  Talvez por isso, ela demonstre sentimentos sempre em inglês, nunca em mandarim. E justifica para o pai que nunca havia visto ele e a mãe se expressarem afetuosamente na língua materna. Apenas no comportamento, sim, mas não por palavras. Por isso ela ri em inglês, fora uma outra cena, crucial para a comunicação entre os dois. 

Produzido em 2007, "Thousand Years of Good Prayers" ganhou o prêmio de Melhor Filme e Melhor Ator no Festival Internacional de San Sebastian e não se destacou no circuito comercial, não é sua vocação. Mas reflete sobre o afeto familiar, mesmo distanciado, e sobre a comunicação em falta, questões universais para qualquer época ou relacionamento. 


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