quinta-feira, 21 de abril de 2011

O Concerto (Le Concert)

O Concerto (Le Concert) 
Direção: Radu Mihaileanu
Elenco: Mélanie Laurent, Alexeï Guskov, Dmitri Nazarov, François Berléand
Escrito por: Radu Mihaileanu, Héctor Cabello Reis, Thierry Degrandi, Mathew Robins, Alain-Michel Blanc
França, Bélgica, Rússia, Itália, Romênia, 2009
Nota no IMdB: 7.5




A obsessão de um maestro pela execução perfeita do Concerto para Violino em Ré Maior (op.35), de Tchaikovsky. Eis o ponto crucial de "O Concerto" (Le Concert), que envolve franceses e russos em camadas de comédia e drama ao focalizar a Orquestra Bolshoi nos anos 80 - portanto, antes da queda da URSS - e o reencontro de músicos com os palcos após décadas ausentes por motivos políticos. 


Andreï Filipov (Alexeï Guskov) é 'o maestro', lenda viva da regência que foi obrigado a abandonar os palcos pela política do ex-presidente soviético Brejnev, por ter mantido músicos judeus na Orquestra 30 anos antes. Longe das apresentações, Filipov trabalha na limpeza da Orquestra, até que um fax cai em suas mãos: um convite para levar o Bolshoi a Paris. Em poucos dias, o 'maestro' deve reunir na surdina fenômenos da música, distantes há décadas dos palcos, para a execução da peça que o persegue há anos. Fatos reais do declínio da URSS encravados em ficções condizentes com o momento histórico, em uma narrativa que não se contradiz e se desenvolve.






Para a apresentação, o 'maestro' exige a presença da solista de renome internacional Anne-Marie Jacquet (Mélanie Laurent), spalla - o violino principal de uma orquestra - que interpreta cenas de maior tensão: os encontros pré-concerto e as implicações entre passado/futuro da própria vida. A violinista também convive com o tabu em relação à execução de Tchaikovsky e com a busca do arrebatamento e da harmonia que acometem grandes momentos de inspiração



Estereótipos à parte, o comportamento dos russos em Paris garante boa diversão, numa co-produção europeia independente, com condução apurada e leve do diretor, sem perder a complexidade do contexto político nem simplificá-lo no universo do filme. Tons sóbrios sustentam a direção de fotografia, com destaque para tons de cinza, sem no entanto criar uma atmosfera sombria. Construído linearmente, "O Concerto" faz uso de efeitos embaçados em flashbacks quando remete ao passado, como quando Filipov relembra o concerto derradeiro que significou sua aposentadoria precoce dos palcos. Com fusões de imagens e flashes, dá a conhecer o futuro dos personagens em breves intervalos da linearidade. 




A busca incessante pelo arrebatamento por que passa o ser em contato com a música é o centro do filme. Universal, além de qualquer contexto político, o sentimento aguçado pelo som e provocado pela necessidade de abstração que têm o homem move músicos virtuosos e o ouvinte comum e ultrapassa qualquer tentativa de explicação. Como justifica a certa altura Filipov: "A orquestra é um mundo. Cada um contribuindo com seus próprios instrumentos, seu talento. Pelo tempo de um concerto estamos todos unidos e tocamos na esperança de chegar a um som mágico: a harmonia". 


"O Concerto" foi finalizado em 2009 e só agora chega em Belo Horizonte, onde é exibido em apenas uma sala, em um horário somente, no meio da tarde. Pouca visibilidade para o filme que provavelmente seja o mais interessante em cartaz na cidade. 


Teve vontade de ouvir os atrativos do Concerto para Violino em Ré Maior (op.35) de Tchaikovsky? Permita-se ser conduzido. 



sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sem Limites (Limitless)

Sem Limites (Limitless)
Diretor: Neil Burger
Elenco: Bradley Cooper, Robert de Niro, Abbie Cornish, Johnny Withworth
Escrito por: Leslie Dixon
EUA, 2011
Nota no IMdB: 7.4 (bebeu, IMdB??)






"Sem Limite" (Limitless) será esquecido rapidamente - se é que será lembrado alguma vez. Em cartaz no Brasil em abril de 2011, já podia ter abandonado as salas sem deixar saudades. Algumas razões para o filme não funcionar:

1 - O desenvolvimento não cumpre o prometido pelo enredo - Um escritor com bloqueio criativo descobre substância capaz de ativar sua memória a níveis incríveis. Essa ideia até daria um bom filme, mas não neste. Se desenvolvesse a trinca inspiração/criatividade/bloqueio, o diretor Neil Burger poderia ter criado uma história instigante sobre a dificuldade de transformar em palavras uma abstração qualquer. Mas "Sem Limites" prefere o caminho fácil da droga impossível que ativa 100% do cérebro humano e forja seres com memória total - até o fim do dia ou até a próxima dose. 

2 - Transformação instantânea e ostentação barata - O pretenso escritor Eddie Morra (vivido por Bradley Cooper) larga o ofício quando percebe as facilidades oferecidas pela nova droga. Por que se dedicar a abstrações literárias e uma carreira pouco reconhecida se se tornou possível, para quem mal sabia fazer contas, investir na bolsa de valores como um prodígio? Discutir investimentos e operações de risco com executivos experientes, impressionar diretores e multiplicar fortunas, sem nenhuma consequência no desenrolar da história, é no mínimo inverossímil. Ganhar dinheiro infinitamente e não se importar em como gastá-lo; conquistar cargos influentes e impor pelo poder: é só isso que "Sem Limite" tem a dizer?  

3 - Falta de um conflito verossímil - Quando a história parece tomar novo rumo, o roteiro se perde e revela a maior fraqueza de um filme: a falta de conflito para sustentar a história. Se a ex de Eddie Morra assume que teve problemas ao parar de tomar a droga, já que o corpo dela se tornou dependente e ao mesmo tempo não suportava os efeitos da substância, era de se esperar algo parecido com o protagonista. Mas essa parece ser apenas mais uma cena insossa e sem conexão entre tantas outras. 



4 - Projeção e aprendizado instantâneo - Se envolveu em uma briga de rua? Basta lembrar de golpes de luta na infância. Não, você não era atleta, apenas assistiu à luta na TV. Isso é o bastante para bater sozinho em uma gangue, de acordo com a lógica da droga que dá 100% de capacidade ao cérebro. Entrou em um restaurante francês? Impressione sua companhia ao conversar na língua estrangeira com o garçom. Você nunca pisou na França, mas isso não tem importância. É a lógica que atravessa o filme o tempo todo.

5 - De Niro no lugar errado - Robert de Niro, no papel mais infeliz dos últimos anos, seria um empresário influente que se impressionaria pelo talento de Morra. Na realidade, é apenas um dos donos do mundo que nem desconfia da supercapacidade do novo pupilo. E, quando descobre a verdade, apenas participa do jogo de poder.

6 - Roteiro recortado - A roteirista Leslie Dixon deve ter sido a mais insatisfeita com a edição final do filme. Porque, pelos saltos que a história toma, parece claramente um filme bem imaginado que foi mal realizado pelos produtores. Parece um argumento inspirado que precisou ser recortado, retorcido, rasurado e mal colado por conta de pressões da indústria, com a desculpa batida de se tornar "mais comercial". Isso é muito comum em filmes considerados "cabeça", que precisam ser mudados sem perder o fio original. Prefiro pensar isso do que assumir a falta total de inspiração de Dixon. Não conheço o livro de Alan Glynn, no qual o roteiro foi baseado. Espero que a película não tenha sido fiel a ele. 

Nessa hora e quarenta e cinco minutos de cinema, pouco pode ser apontado de positivo. O começo do filme impressiona e deixa o espectador com boas expectativas: as tomadas iniciais, com a câmera em movimento em aceleração pela cidade, na perspectiva da primeira pessoa, rompendo barreiras físicas naturais, deixam a impressão de que teremos pela frente uma obra estética ao menos curiosa. As letras e números caindo do teto no momento da inspiração definitva tentam ser um convite a isso. Não valem nem a tentativa. Quando se tenta argumentar a favor do fillme, a cena do 'vampiro' salta à lembrança. Nessa hora amigo, mesmo usando naturalmente apenas 20% do cérebro, não há quem ainda procure encontrar qualidades em "Sem Limites". 



sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Origem (Inception)

ou: um sonho dentro de um sonho, dentro de um sonho, dentro de um sonho.


A Origem (Inception)
Diretor: Christopher Nolan
Elenco: Leonardo di Caprio, Ellen Page, Ken Watanabe, Marion Cotillard, Tom Hardy
Escrito por: Christopher Nolan
EUA, 2010
Nota no IMdB: 8.9






Christopher Nolan, há alguns anos apenas um diretor e roteirista pouco conhecido, conseguiu convencer produtores a levar Batman de volta aos cinemas após o fracasso de "Batman e Robin" (1997). Em 2005 estreou o elogiado e bem-sucedido "Batman Begins", com Christian Bale no papel principal tratando de dilemas como medo e dualidade, temas até então inexplorados na série. Três anos depois, colocou Heather Ledger como o Coringa em um papel marcante em "Batman: Cavaleiro das Trevas", o último da vida do ator. Um diretor afeito a produções experimentais  comandou as sequências que se tornariam sucesso de público e crítica sobre o heroi dos quadrinhos. Os produtores que relutaram em recriar o universo de Gotham City após o hiato de oito anos desde o filme de Joel Schumacher não se arrependeram. Estavam em boas mãos. 

Nolan já tinha apresentado seus métodos em "Amnesia" (Memento), no qual a linearidade da história  é abandonada para acompanhar o drama que acomete o protagonista, vivido por Guy Pearce, um homem que perde a capacidade de adquirir novas memórias.

A mais recente produção de Nolan, entretanto, atinge um extremo narrativo singular, que trafega novamente entre as bordas da memória e do real. "A Origem" (Inception) transporta o espectador para realidades paralelas construídas dentro dos sonhos dos personagens. Mais que isso, os próprios sonhos são intrincados em outros sonhos, deixando para quem assiste a surpresa da descoberta de elementos concretos para distinguir, de fato, um sonho do outro e da realidade. 




O objetivo disso tudo não é nada politicamente correto. Leonardo di Caprio (Cobb) constrói realidades paralelas para roubar ideias enquanto as vítimas são induzidas ao sono. Até que recebe uma proposta para inverter a operação: ao invés de retirar uma ideia, deverá plantá-la, para mudar os rumos de disputas empresariais. Este fato traz à tona acontecimentos trágicos da vida de Cobb, que ajudam o espectador a entender as motivações e métodos de trabalho do personagem. 

Para o diretor/roteirista "construir" mundos paralelos dentro dos sonhos, utiliza uma equipe de especialistas para recriar realidades. Há o químico responsável pela sedação, os atores do sonho e a arquiteta (Ariadne, vivida por Ellen Page, em atuação destacada) responsável por desenvolver labirintos (figurados) e as cidades (literais) que são retratadas. 

Com fôlego narrativo impressionante, há que se destacar como o filme analisa a relação entre tempo e espaço (a cada nível de sonho, a sensação é distinta, bem como a percepção da duração dos acontecimentos) e também as descobertas da arquiteta. Quando percebe que em uma realidade virtual tudo pode desobedecer às leis físicais, Ariadne literalmente enverga prédios, ruas e nossos sentidos, em tomadas de tirar o fôlego. 





"A Origem" ganhou quatro Oscars em 2011 - nas categorias técnicas de melhor Fotografia, Efeitos Visuais, Edição de Som e Mixagem de Som.  O filme mais intrigante do ano merecia mais, inclusive por ter concorrido como Melhor Filme, Roteiro Original, Trilha Sonora Original e Direção de Arte.