quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret (2011)

Hugo
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Asa Butterfield, Ben Kingsley, Chlöe Grace Moretz, Sacha Baron Cohen, Jude Law
Escrito por: John Logan, baseado em livro de Brian Selznick
EUA, 2011
Nota no IMdB: 8,2



"A Invenção de Hugo Cabret" (2011) é a primeira incursão de Martin Scorsese no formato 3D - e ele avisa que não será a única. A história é ambientada no inverno parisiense nos anos 1930 e acompanha Hugo (Butterfield), um órfão que aprendeu com o pai relojoeiro a consertar engrenagens. Por isso, em sua visão infantil, todo corpo é uma máquina em potencial e pode ter o funcionamento acertado, ainda que as peças estejam fora de lugar. Fora do contexto, seria uma visão de mundo simplista, mas condiz com as experiências de Hugo e suas maneiras de lidar com a rejeição. 



É também uma aventura infantil sobre confiança e superação, com repetições do gênero que poderia afugentar espectadores. É nesse momento que Scorsese filtra a narrativa com recursos improváveis e atrela a saga de Hugo ao próprio funcionamento do cinema em seus primórdios.



A autorreferência traz uma ideia sobre o próprio fazer cinematográfico, e o tributo a George Méliès amplifica os significados para os que conhecem a obra - ou ao menos a importância - do realizador francês, um dos primeiros a levar a fantasia e o sonho para frente das câmeras. Enquanto isso, parecem um atributo de grande curiosidade para os que o desconhecem. Scorsese acertou na combinação improvável de aventura infantil e historiografia dos inícios do cinema. 



Há o fascínio de Hugo por um autômato, herdado do pai e que o desafia por não funcionar corretamente. Há a entrega de Isabelle (Moretz) aos livros, proibida, irônica e justificadamente, de ir ao cinema. Pela primeira vez, Sacha Baron Cohen, no papel do guarda da estação ferroviária onde Hugo mora, não estraga um trabalho.



Todo filmado e produzido em 3D, "A Invenção de Hugo Cabret" potencializa os recursos dessa tecnologia, mostrando que a técnica oferece bem mais que a alteração da noção de profundidade e a manipulação de efeitos visuais. É gritante a diferença para outros filmes nesse estilo. Pena que a experiência ainda não seja devidamente apreciada pelo espectador, que esbarra no desconforto dos óculos e na qualidade das lentes, que escurecem as cores e não alcançam todo o raio de visão.



A nota dissonante do filme fica com a trilha sonora original. Ao criar um ambiente de aventura, Scorsese se permitiu incluir orquestrações em quase todas as cenas, que conotam quase irritantemente o clima pretendido pelo diretor a cada tomada. Nas alusões ao cinema mudo, a trilha sonora impede uma experiência mais demorada do contato com a imagem e a descoberta do cinema.



"A Invenção de Hugo Cabret" faz jus ao posto de um dos favoritos ao Oscar, com 11 indicações, incluindo melhor filme e melhor diretor, apesar de não se colocar muito à frente de seus concorrentes. Mas vale pelo paradoxo assumido - e muito bem cumprido - por Scorsese de utilizar a tecnologia mais desenvolvida disponível para prestar uma homenagem singular aos primórdios da cinematografia. 




segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Os Descendentes (2011)

Os Descendentes (The Descendants)
Direção: Alexander Payne 
Elenco: George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Nick Krause, Patricia Hastie, Beau Bridges
Escrito por: Alexander Payne, Nat Faxo e Jim Rash, baseado em livro de Kaui Hart Hemmings 
EUA, 2011
Nota no IMdB: 7,7



O Havaí, locação comum em filmes sobre esportes, comédias de férias ou documentários em paisagens paradisíacas, é quase um personagem de "Os Descendentes", um dos favoritos ao Oscar e vencedor do Globo de Ouro em duas categorias (melhor filme de drama e melhor ator - George Clooney). Apesar da participação de destaque, o estado americano serve de contraponto para a angústia que permeia a vida de um homem, que tenta diminuir a distância afetiva para as filhas quando a esposa entra em coma por causa de um acidente. 



Como defende o protagonista logo no início, as dores do povo havaiano não são menores que a dos outros humanos por morarem em recantos de natureza privilegiada. Eles compartilham as mesmas cotas de dúvida, defeitos e dor com os demais, assim como carregam cargas de esperança, sonhos e superação semelhantes. 



Matt King (Clooney) é um advogado pacato, contido, quase resignado e, tal qual o costume contemporâneo, pouca atenção havia dedicado à esposa e às filhas nos últimos anos. Em certa altura de "Os Descendentes", o milionário havaiano revela seguir uma frase ouvida tempos antes: "Dê todo o dinheiro aos filhos para fazerem o que quiserem, mas não para não fazer nada". Assim explica a contenção no trato de sua fortuna, apesar da vida confortável. 



Elizabeth (Hastie), mulher de King, está em coma após um acidente de barco. Ela tem o perfil construído por falas da família e amigos, e por eles conhecemos seu interesse por esportes e adrenalina, assim como podemos antecipar o que deve ter sentido em determinados momentos anteriores à trama e justificar suas atitudes. Mas apenas prevê-los, apesar da riqueza de detalhes disponíveis para construir sua participação na trama. Estratégia curiosa para uma personagem que, apesar dos julgamentos, não pode se defender. 



Alexandra (Woodley) filha mais velha do casal, é uma adolescente de 17 anos que conhece bem os limites a ponto de fazer questão de desafiá-los. A rebeldia em potencial se transforma em bom senso quando ela precisa ajudar King a cuidar da caçula Scottie (Miller). No percurso, tem a companhia do amigo Sid (Krause) um personagem deslocado no começo da trama, e que em seu desenvolvimento só faz reforçar a ideia de que as novas gerações não são muito habituadas a convenções sociais. A ironia é uma face da relação entre os jovens e a inclusão de King neste novo "meio", e, com as risadas provocadas na sala do cinema, parece que nem todos assistem ao mesmo filme. 



A melhor participação de Sid se dá quando Matt o pergunta se ele e Alexandra conversam sobre seus problemas. O garoto afirma que não, apesar da proximidade entre os jovens; apenas tentam se divertir juntos para esquecer-se das adversidades. Um método escapista discutível, mas revelador sobre o comportamento de uma geração.



Quando Matt King, apesar do conflito em casa, tem poderes para decidir uma operação empresarial entre primos - são herdeiros de uma grande área preservada na ilha - temos o vínculo do homem com a terra e a tradição familiar, apesar dos rumos dissidentes dentro no lar. Prova disso são as tomadas frequentes em retratos de sua genealogia e a lembrança de nomes e títulos de antigos parentes, num contraste bem armado com sua falta de prestígio na própria casa.



"Os Descendentes" não vai marcar época, não traz inovações de estilo nem conta uma história sensacional. Talvez nem mereça a indicação no Oscar em algumas das principais categorias - filme, diretor, ator (Clooney), roteiro adaptado e montagem. Mas é um filme sincero, com roteiro sem grandes atropelos e boa condução da direção de fotografia. E, ainda, atuações convincentes de Clooney e a estreante Shailene Woodley. 


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Histórias Cruzadas (2011)

Histórias Cruzadas (The Help)
Direção: Tate Taylor
Elenco: Emma Stone, Viola Davis, Octavia Spencer, Bryce Dallas Howard, Jessica Chastain, Mike Vogel
Escrito por: Tate Taylor, baseado em livro de Kathryn Stockett
EUA, 2011
Nota no IMdB: 8,0




O racismo incutido em uma sociedade em determinada época soa tão 'natural' para quem a vive quanto parece absurdo para os que observam em outro tempo. Por isso, tantos risos irônicos da plateia quando personagens de "Histórias Cruzadas" (The Help, 2011) defendem a separação de banheiros entre negros e brancos. O filme do diretor Tate Taylor vai levar muita gente ao cinema simplesmente por ter sido indicado quatro vezes ao Oscar - melhor filme, melhor atriz (Viola Davis) e melhor atriz coadjuvante (Jessica Chastain e Octavia Spencer). Spencer, inclusive, venceu o Globo de Ouro por sua atuação como atriz coadjuvante.






O diretor se baseia no livro "A Resposta", de Kathryn Stockett (amiga de Taylor) para apresentar uma nuance da segregação racial na América, amparada por leis e costumes que perduraram, oficialmente, até os anos 1970. Aqui, tem-se o ponto de vista das empregadas domésticas, acostumadas a criar e a educar crianças brancas que, quando crescidas, relegavam as amas ao seu papel servil em nome da manutenção de um 'status social'. 





A jornalista e aspirante a escritora Skeeter (Stone) decide dar voz aos abusos cometidos contra as trabalhadoras e recebe a ajuda clandestina de Aibileen (Davis) e Minny (Spencer). O papel de Hilly (Dallas), presidente da liga das mulheres de Jackson, Mississippi - um dos últimos estados do sul a retirar itens racistas de suas leis - apesar de bastante caricato, expõe o racismo 'naturalizado' - inclusive na menção do baile beneficente para crianças africanas. 




A narrativa é leve, apesar do tema -o que levou críticos de cinema a tratar "Histórias cruzadas" como leviano e superficial -, linear e bem pontuada. A ambientação e o ritmo - além da temática - lembram  o clássico "Conduzindo miss Daisy", de 1989. O uso de clichês em cenas-chave podia facilmente ter sido evitado, assim como a divisão entre patrões-vilões e empregados-espertos. Em sua defesa, Taylor tem a forma como a invisibilidade dos funcionários é apresentada, assim como a forte e convincente atuação de Viola Davis - merecedora, de fato, do Oscar. 





Algumas questões para o roteiro: Celia (Chastain) é a personagem dissonante, por ter se casado com Johnny (Vogel), que era 'destinado' às mulheres 'da sociedade'. Por quê seus hábitos não condizem com os das outras? Ela foi criada em outro meio? Algum sentimento em especial a move? Ou o que explicaria esta postura deslocada? Outra: Skeeter teria atitudes humanistas por ter estudado em outro estado? Ou porque é uma das únicas a trabalhar fora de casa? Por ser 'aceita' na liga das mulheres de Jackson, nunca havia questionado seus métodos? 






A equipe de tradução podia ter se empenhado para traduzir "the help" com mais qualidade. "A resposta" é tão ridículo que incomodou até os mais desavisados nas três ou quatro aparições da legenda durante a exibição. Apesar da grave falha, "Histórias cruzadas" é um título que diz mais sobre o filme que o próprio original.