quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Ted (2012)

 Ted
Direção: Seth McFarlane
Elenco: Mila Kunis, MArk Wahlberg, Seth McFarlane
Escrito por: Seth McFarlane, Alec Sulkin e Wellesley Wild
EUA, 2012
Nota no IMdB: 7.6




Ted é apenas um urso falante de uma obra de ficção. Mas causou a maior polêmica na última semana, quando o deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB/SP) tentou elevar a classificação indicativa do filme para 18 anos e até mesmo proibir sua exibição no Brasil.




É que, desavisado, o parlamentar levou o filho de 11 anos para ver o filme, recomendado para maiores de 16. E se chocou com cenas que mostram o ursinho falando palavrão, bebendo cerveja e fumando maconha.


 
O assunto repercutiu após Protógenes reclamar no Twitter, e virou um dos trending topics da rede social durante a semana. Motivo de piada, o deputado desistiu de tentar proibir o filme, foi criticado por especialistas e críticos de cinema e provocou até uma manifestação do Ministério da Justiça sobre o assunto.



O certo é que o quer era para ser apenas uma comédia nos cinemas se tornou um dos hits do momento. A polêmica só contribuiu para encher as salas e prolongar a exibição do filme, em cartaz também em BH.




 
Ted (2012) foi escrito e dirigido por Seth McFarlane. Conta a história de John (Mark Wahlberg), um garoto sem amigos que deseja, em uma noite de Natal, que o ursinho ganhe vida. O desejo se realiza e eles crescem juntos. Aos 35 anos, John não consegue largar o brinquedo, que se transformou em um “vida mansa” desbocado e usuário de drogas. Uma comédia nonsense com bons recursos narrativos e referências a ícones dos anos 80, como Flash Gordon, e participação especial da cantora Norah Jones.



 
Uma pedida divertida nos cinemas de BH, proibida apenas para menores de 16 anos e deputados pretensamente politicamente corretos. Em cartaz nos shoppings Boulevard, BH, Diamond, Itaú Power, Minas, Pátio Savassi, Cidade e Del Rey.


quarta-feira, 4 de julho de 2012

Para Roma, com Amor (2012)

To Rome with Love
Direção: Woody Allen
Elenco: Roberto Benigni, Jesse Eisenberg, Penélope Cruz, Elen Page, Woody Allen
Escrito por: Woody Allen
EUA, 2012
Nota no IMdB: 6.3






Woody Allen presta homenagem à capital italiana a partir do título de seu novo filme, "Para Roma com Amor". E o que no princípio se apresenta como sobreposição de clichês de um turista com um tour pela cidade se revela uma história inesperadamente ousada e inspirada. Na verdade, quatro histórias.





A opção por quatro enredos distintos que não se tocam não confunde. Assim como o viajante que não consegue conhecer a fundo uma cidade em pouco tempo, cada uma permanece na superfície dos conflitos, sem prejuízos para o filme. 




Há espaço para o próprio Allen se reinventar como o eterno-personagem-neurótico; desta vez, como o sogro aposentado que vai a Roma conhecer a família do genro e se surpreende com o sogro da filha, um agente funerário com talento para a  ópera. Em outra frente, um casal do interior vive uma comédia de erros digna da Cinecittà ao se envolver com uma prostituta (Penélope Cruz) e um ator de cinema.




O terceiro enredo coloca um casal à mercê da amiga 'fatal', o que seria previsível até demais, não fosse o apuro de Allen ao escalar Alec Baldwin no papel nonsense que funciona como um subconsciente dos envolvidos. De quebra, sobram críticas a posturas de pseudo-intelectuais (como já havia em "Meia Noite em Paris"). Na quarta história, Roberto Benini vive um modesto funcionário que vê a vida transformada, sem razão, pelos holofotes dos paparazzi. 





As críticas incrivelmente bem humoradas à arte contemporânea (nas cenas no chuveiro), ao absurdo da fama instantânea e despropositada e às estratégias pseudo-intelectuais são trunfos de um Allen que, como é dito por sua mulher, "não possui ego, superego e id, mas três id´s". Se em "Meia Noite em Paris" o diretor presta tributo à literatura da Belle Epóque, desta vez as lembranças se dirigem à opera e ao cinema italianos. Um justo agradecimento aos países que inspiraram Woody Allen a renovar sua carreira. Junto do 'inglês' "Matchpoint", e da saga em Paris, "Para Roma com Amor" é sua ideia mais fértil em solo europeu. 




quinta-feira, 21 de junho de 2012

Medianeras (2011)

Medianeras
Direção: Gustavo Taretto
Elenco: Pilar López de Ayala, Javier Drolas, Ines Efron
Escrito por: Gustavo Taretto
Argentina, 2011
Nota no IMdB: 7.2




A arquitetura vertical da metrópole. Placas impessoais de longe, fissuras que resistem nos detalhes. O acúmulo da solidão, o temor de sair a rua, a escolha pelas escadas aos elevadores, o cotidiano conectado na internet sem o hábito de conversar pessoalmente. O desejo de encontrar alguém na multidão, o fato de ficar mais à vontade com bonecos e telas do que com pessoas. Pela reação dos últimos conhecidos, a preferência por ficar em casa. Medianeras são paredes laterais que dão para os prédios vizinhos e que, pela lei argentina, não podem conter janelas. Alguns as desafiam. 



Isso é Medianeras (2011), filme do argentino Gustavo Taretto sobre a falta de comunicação de jovens acostumados com uma realidade de hipercomunicação. Mariana (Pilar López de Ayala) é arquiteta, mas trabalha como vitrinista e imagina histórias para os bonecos que veste. Divide o apartamento em Buenos Aires com manequins dobráveis e recebe deles respostas mais agradáveis do que nos últimos encontros com desconhecidos - e mesmo as respostas do último namorado não eram algo animadoras.



Martín (Javier Drolas) vive recluso no pequeno apartamento em Buenos Aires e se relaciona com o mundo a partir de um iMac. Sistemas de busca e chats são seu contato exterior. Vive com o cachorro da ex e precisa pagar uma mulher para levá-lo ao parque. Mas gosta de dar banho no pequeno animal e tem insônia.



Medianeras usa recursos gráficos para conotar encontros e desencontros em uma metrópole que perdeu o controle do planejamento. E, por isso mesmo, não consegue controlar as janelas que se abrem nas paredes mais insólitas e nas ervas que insistem em brotar nas fissuras menos esperadas. As alusões ao desenho "Onde está Wally" não são gratuitas e reforçam a necessidade universal de descobrir e ser descoberto. Com trilha discreta e narrativa sem percalços, parte de um argumento consistente para cercar, sem pressa, uma bela história.



Medianeras ficou cerca de cinco meses em cartaz no Brasil e foi um dos filmes argentinos mais vistos em 2011. Ganhou os prêmios de melhor diretor e filme estrangeiro no Festival de Gramado e foi a escolha do público em Berlim e Toulouse..E, com discrição e sem gravitar em torno de celebridades, o cinema argentino dá mais um drible nos colegas brasileiros. 


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Minhas Tardes com Margueritte (2010)

La Tête en Friche
Direção: Jean Becker
Elenco: Gerard Depardieu, Giséle Casadesus, Patrick Bouchitey, Sophie Guillemin
Escrito por: Jean Becker e Jean-Loup Dabadie, baseado em livro de Marie-Sabine Roger
França, 2010
Nota no IMdB: 7.1



"Minhas Tardes com Margueritte" explora a descoberta do prazer pela leitura. Sobretudo, procura demonstrar que sempre há tempo para aprender ou se deixar cativar por estórias contidas nos livros. Ainda mais se o contexto da obra puder ser reconhecido no cotidiano do leitor.



Gerard Depardieu é Germain, que se acostumou, desde pequeno, a se maltratado pela mãe e por professores em público. Com pouca educação formal, mora em um trailer no quintal da casa da mãe e vive de bicos, como verdureiro ou ajudante de um bar. No bar onde seus amigos se reúnem todas as tardes, o espectador conhece integrantes de uma classe média baixa francesa que passam boa parte do filme entretidos com bebidas e jogos de cartas, dados e dardos.




Margueritte (Casadesus) é uma senhora culta, aposentada da Organização Mundial de Saúde (OMS) que conhece Germain em um banco de parque. O cuidado dele ao alimentar os pombos atrai a adorável senhora, que aos poucos passa a ler para ele clássicos da literatura francesa. 



É notável a reação ao primeiro contato com Albert Camus, assim como a perplexidade ao descobrir a função de um dicionário - "onde há palavras demais, faltam outras". Assim como faltam palavras aos amigos quando Germain passa a usar no bar as comparações aprendidas com Margueritte. 



Como valores aprendidos sem necessariamente uma educação formal - ou culta, Germain conserva um senso de atenção e ingenuidade ante os acontecimentos. Se "um bom leitor é um bom ouvinte", como defende Margueritte ao se deparar com um homem que mal sabe ler mas discute com abstração as histórias que ouve, há vários caminhos para a descoberta. Assim como Germain aprendeu a entalhar em madeira pombos como os que alimenta diariamente no parque. 



O diretor Jean Becker construiu uma fábula com intensa significação, editada no ritmo acelerado dos modos de seus personagens nada aristocráticos. "Minhas Tardes com Margueritte", que recebeu menos atenção da crítica e das salas de cinema do que deveria e chegou com dois anos de atraso ao circuito brasileiro, se insere na boa coletânea de filmes sobre amizade na velhice, que merecem ser revistos de tempos em tempos - de "Conduzindo Miss Daisy" a "Elza y Fred" e "Depois Daquele Baile" - para lembrar que o cinema ainda carrega partículas de esperança e redenção. 



sexta-feira, 27 de abril de 2012

Shame (2011)

Shame
Direção: Steve McQueen
Elenco: Michael Fassbender, Carey Mullingan, James Badge, Nicole Beharie
Escrito por:
EUA, 2011
Nota no IMdB: 7.6



Brandon (Fassbender) tem um olhar duro, frio e distante de qualquer afeto. Viciado em sexo, não conhece qualquer manifestação de carinho ou intimidade, ainda que se relacione de modo extremo com seu corpo e com as mulheres desconhecidas com quem se depara por um tempo breve e intenso.



Steve McQueen aposta em sequências carregadas de tensão, que exploram constantemente a nudez, tratada sem sensualidade ou paixão. Como um drogado dependente de substâncias químicas, ele encontra no sexo casual a realização transitória do prazer através de seu vício e suas expressões durante o ato sexual lembram antes o sofrimento e a ânsia por reforçar essa busca desenfreada que o prazer pelo contato com o feminino.



Este ciclo frio se rompe com a chegada da irmã, Sissy (Mullingan), que escancara conflitos e o faz lembrar, ainda que bem longe, alguma manifestação afetiva. A desordem que esta presença inesperada e contra sua vontade provoca alterações em seus padrões reflexivos e o abre a certa distinção entre vergonha, reconhecimento e busca desenfreada pelo prazer.



As marcas nos braços de Sissy apontam para sofrimentos extremos de ordem emocional, mas McQueen não precisa contextualizar o passado dos irmãos para construir seus transtornos de forma clara e convincente. A constatação de Brandon, apenas com olhares, antecipa um certo descrédito pela mudança. Uma frase da irmã, entretanto, aponta para alguma esperança. "Nós não somos maus, apenas viemos de um lugar confuso". A garota insegura traz a força escondida - que se manifesta, por exemplo, quando interpreta "New York, New York" com um andamento lento, sublime e marcante.



Quando tenta sair com uma colega de trabalho (Beharie), no primeiro encontro minimamente afetivo em sabe-se lá quanto tempo, o corpo de Brandon falha, num bloqueio de ordem emocional que o impede de associar o sexo a qualquer situação de carinho ou cumplicidade. O desperta apenas a adrenalina de casos fugazes e anônimos, ainda que busque inconscientemente o sofrimento físico ao provocar brigas na rua ou se dispor a experiências sexuais que não condizem com suas opções, em nome de satisfazer temporariamente um vício irrefreável. 



Há, contudo, a chama de uma esperança - o despertar para a condição de dependência, disparado pelo próprio reconhecimento em companhia da irmã, é sempre um primeiro passo para enfrentá-la, e não apenas se submeter.


terça-feira, 27 de março de 2012

A Árvore da Vida (2011)

The Tree of Life
Direção: Terence Malick
Elenco: Brad Pitt, Jessica Chastain, Sean Penn, Hunter McCracken
Escrito por: Terence Malick
EUA, 2011
Nota no IMdB: 7,0



"A Árvore da Vida" aborda, essencialmente, de maneira delicada e dedicada, o ato da criação e a perda da inocência. O autoritarismo de O´Brien (Pitt) na criação dos filhos, num subúrbio americano nos anos 1960 e as marcas desta criação em suas consciências. As pressões - principalmente sobre o mais velho - a frustração do pai com os próprios caminhos e a criação rígida das crianças. 



Terence Malick escreveu e dirigiu esta história que surpreende pelos intertítulos que carrega e pela beleza plástica das imagens abstratas. Há espaço para a gênese do universo, o movimento das marés, erupções vulcânicas, a vida marinha, a explosão das estrelas e muitas outras sequências impressionantes, entrecortadas por diálogos emblemáticos que contextualizam as metáforas e elipses aparentemente absurdas. 



Após permitir-se divagações que duram mais de 20 minutos, Malick volta à história da família, marcada por dramas e pressões. O diretor reforça a dimensão da descoberta da experiência em cada tomada, como nas sequências em que os pais apresentam a linguagem aos garotos ou seus primeiros atos de delinquência juvenil. 



A partir de valores religiosos, católicos, Malick aborda de modo suave a transcendência do ser e o amor universal, em cenas absolutamente reflexivas, que chamam lembram a duração ínfima do ser humano no planeta e seu tamanho insignificante em relação ao universo. Apesar disso, um universo complexo, representativo e único.



Malick escreveu uma bela história sobre o potencial do amor e a gravidade da existência e teve em mãos uma história bem perto de poder ser considerada uma das mais impressionantes em muito tempo. Pena que ela se prende, em vários momentos, ao ritmo arrastado que diminui a potência de suas cenas-chave, que evocam e ao mesmo tempo exasperam o espectador.



Os diálogos no lugar certo, a produção impecável e um argumento consistente colocaram um material raro nas mãos de Malick, que não conseguiu dosá-los da melhor maneira. Ainda assim, as escolhas não  prejudicam. Some-se a isso á atuação segura de Jessica Chastain e ao olhar impressionante de Hunter McCracken que interpreta Jack (Penn) quando criança. 



Cortes e flashbacks bem editados ajudam a compreender  em blocos a história, enquanto um dos protagonistas, anos depois, relembra pontos da infância e etapas de seu crescimento em família, evocando o pai centralizador, a mãe conciliadora e os irmãos, também descobridores enquanto autores da própria existência. 



"A Árvore da Vida" tem repertório para figurar entre os grandes filmes da década, mas é prejudicado pelo excesso de preciosismo dos realizadores. Impressiona, mas cai em um anticlímax constante. Vale, ainda, uma menção honrosa para os últimos minutos, reveladores sobre a condição humana e sua relação com o universo e o eterno. Uma mensagem de esperança, enfim. 


sexta-feira, 23 de março de 2012

Drive (2011)

Drive
Direção: Nicolas Winding Refn
Elenco: Ryan Gosling, Carey Mullingan, Bryan Cranston, Kaden Leos Albert Brooks
Escrito por: Hossein Amini, baseado em livro de James Sallis
EUA, 2011
Nota no IMdB: 8,0



Se o Oscar 2012 premiou homenagens aos primórdios do cinema, a última edição de Cannes preferiu destacar  um cinema de gênero, numa espécie de filme b com estética dos anos 80/90. Melhor filme da mostra competitiva de 2011, "Drive" traz momentos distintos e igualmente perturbadores.



Ryan Gosling não tem nome: é apenas o 'driver' dublê de filmes de ação durante o dia e o 'driver' calculista e silencioso de gangues à noite. Vive em um ambiente seco, solitário e com ecos vintage, ajudados pela trilha de rock alternativo e por tomadas de uma Los Angeles sem glamour e áspera. É um filme de ação com pouca movimentação de fato e que se sustenta pelo contexto. A primeira metade diz respeito ao silêncio e aos olhares questionadores. Olhares pelo retrovisor, com um palito entre os dentes. 



Quando envolve-se com gangues de fato, o protagonista ganha ares de nonsense e protagoniza cenas de violência gratuita dignas de Tarantino. A ruptura na história causa um excesso premeditado, oposto aos movimentos de espera do início, que  fazem de "Drive" um filme provocador. 



A frieza do justiceiro em oposição ao homem entregue facilmente pela descoberta do sentimento pela vizinha Irene (Mulligan) provoca certas questões: ele se consumia em adrenalina porque precisava de atenção? Basta uma relação sincera e desinteressada para derrubar a barreira que o impede de conhecer a afetividade? Seu relacionamento com Benicio (Leos), filho de Irene, pode responder a isto. Seu instinto de proteção e afeto atinge este momento, numa superação do egoísmo que o cerca. Ainda assim, o roteiro traz clichês básicos que impedem "Drive" de ser um grande filme de fato. 



Apesar da violência gratuita que interrompe uma estética impecável, "Drive" é uma incursão bem-sucedida  (e a primeira) de Winding Refn no cinema comercial. É também um filme para consagrar Ryan Gosling, que surgiu no mercado em comédias românticas e blockbusters de ação. Ele definitivamente ganha o público como o motorista alucinado que usa a mesma jaqueta branca com um escorpião dourado nas costas - que vai se sujando de graxa e sangue ao longo da história, sem que isso o incomode em algum momento. 









domingo, 11 de março de 2012

Millenium - O Homem que Não Amava as Mulheres (2011)

Millenium - O Homem que Não Amava as Mulheres (The Girl with the Dragon Tatoo)
Direção: David Fincher
Elenco: Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stelan Skarsgard, Robin Wright
Escrito por: Steven Zaillan, baseado em livro de Stieg Larsson
EUA, 2011
Nota no IMdB: 8.0






Adaptações de best sellers para o cinema costumam criar polêmicas, principalmente se o livro em questão for recente. Sempre aparecerá alguém para criticar a adaptação da narrativa - além da escolha comercial de uma obra que vive o sucesso no mercado editorial. 





Mas "O homem que não amava as mulheres", visão do diretor David Fincher (A Rede Social) para o primeiro livro da trilogia de espionagem Millenium, foge das soluções rasas. Escrita pelo jornalista sueco Stieg Larsson  - que morreu em 2004 pouco depois de entregar os originais aos editores - a história já havia ganhado uma adaptação aclamada pela crítica em seu país, em 2009, ainda mais sombria. O que faz uma série literária receber duas versões para o cinema em tão pouco tempo - ambas elogiadas?



O envolvimento da hacker Lisbeth Salander (Mara) em uma intriga de espionagem é o mote deste suspense, que evita sustos fáceis. O jornalista Mikael Blomkwist (Craig) é processado por uma série de reportagens e acaba se envolvendo em um mistério no seio da família Vanfer, com membros reclusos, anti-semitas e que ainda buscam solução para a morte de uma garota do clã, ocorrida nos anos 1960. Craig investiga traumas do passado dos Vanger, enquanto Salander, de modos hostis, precisa encontrar meios para se sustentar sem o antigo tutor. Nada se sabe sobre sua família ou passado, mas sua frieza e androginia dão a dimensão de traumas sofridos. Os piercings e tatuagens que deixa à mostra contrastam com a discrição das maneiras que ela pretende transmitir. 



A fotografia cria a atmosfera do inverno sueco, com ventos cortantes e dias pouco iluminados. O trabalho detalhista da montagem é um aliado dos efeitos pretendidos por Fincher, reconhecido por dosar mistério e ação - como em Clube da Luta (1999) e Seven (1995). 



Salander, no entanto, encarna uma espécie de Magayver com uma tatuagem de dragão, vingadora capaz de ações inverossímeis em uma história que se revela sóbria durante quase todo o tempo. A polêmica cena de abuso sexual, totalmente desnecessária, ainda foi amenizada em relação à versão sueca. É claro que provoca a repulsa desejada, mas exagera na exploração explícita do conteúdo.



"O homem que não amava as mulheres" (ou a mulher que não amava os homens) é um thriller psicológico para agradar admiradores do gênero e manter as vendas dos livros em alta. Resta saber a escolha da equipe técnica para manter o padrão nas indefectíveis sequências. 


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret (2011)

Hugo
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Asa Butterfield, Ben Kingsley, Chlöe Grace Moretz, Sacha Baron Cohen, Jude Law
Escrito por: John Logan, baseado em livro de Brian Selznick
EUA, 2011
Nota no IMdB: 8,2



"A Invenção de Hugo Cabret" (2011) é a primeira incursão de Martin Scorsese no formato 3D - e ele avisa que não será a única. A história é ambientada no inverno parisiense nos anos 1930 e acompanha Hugo (Butterfield), um órfão que aprendeu com o pai relojoeiro a consertar engrenagens. Por isso, em sua visão infantil, todo corpo é uma máquina em potencial e pode ter o funcionamento acertado, ainda que as peças estejam fora de lugar. Fora do contexto, seria uma visão de mundo simplista, mas condiz com as experiências de Hugo e suas maneiras de lidar com a rejeição. 



É também uma aventura infantil sobre confiança e superação, com repetições do gênero que poderia afugentar espectadores. É nesse momento que Scorsese filtra a narrativa com recursos improváveis e atrela a saga de Hugo ao próprio funcionamento do cinema em seus primórdios.



A autorreferência traz uma ideia sobre o próprio fazer cinematográfico, e o tributo a George Méliès amplifica os significados para os que conhecem a obra - ou ao menos a importância - do realizador francês, um dos primeiros a levar a fantasia e o sonho para frente das câmeras. Enquanto isso, parecem um atributo de grande curiosidade para os que o desconhecem. Scorsese acertou na combinação improvável de aventura infantil e historiografia dos inícios do cinema. 



Há o fascínio de Hugo por um autômato, herdado do pai e que o desafia por não funcionar corretamente. Há a entrega de Isabelle (Moretz) aos livros, proibida, irônica e justificadamente, de ir ao cinema. Pela primeira vez, Sacha Baron Cohen, no papel do guarda da estação ferroviária onde Hugo mora, não estraga um trabalho.



Todo filmado e produzido em 3D, "A Invenção de Hugo Cabret" potencializa os recursos dessa tecnologia, mostrando que a técnica oferece bem mais que a alteração da noção de profundidade e a manipulação de efeitos visuais. É gritante a diferença para outros filmes nesse estilo. Pena que a experiência ainda não seja devidamente apreciada pelo espectador, que esbarra no desconforto dos óculos e na qualidade das lentes, que escurecem as cores e não alcançam todo o raio de visão.



A nota dissonante do filme fica com a trilha sonora original. Ao criar um ambiente de aventura, Scorsese se permitiu incluir orquestrações em quase todas as cenas, que conotam quase irritantemente o clima pretendido pelo diretor a cada tomada. Nas alusões ao cinema mudo, a trilha sonora impede uma experiência mais demorada do contato com a imagem e a descoberta do cinema.



"A Invenção de Hugo Cabret" faz jus ao posto de um dos favoritos ao Oscar, com 11 indicações, incluindo melhor filme e melhor diretor, apesar de não se colocar muito à frente de seus concorrentes. Mas vale pelo paradoxo assumido - e muito bem cumprido - por Scorsese de utilizar a tecnologia mais desenvolvida disponível para prestar uma homenagem singular aos primórdios da cinematografia.